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Arquitetos: Nelson Resende
- Área: 220 m²
- Ano: 2019
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Fotografias:João Morgado
Descrição enviada pela equipe de projeto. O projecto de transformação do apartamento existente, reflecte a vontade em contrariar uma compartimentação excessiva, um desenho demasiadamente subjugado à estrutura existente e, como consequência, relações funcionais pouco fluídas e mal resolvidas entre espaços, áreas perdidas ou subaproveitadas e uma desadequação funcional com o que o agregado familiar pretendia para a sua nova casa. Desta forma, e perante a evidência de uma estrutura demasiadamente castradora e impositiva, e também perante um edifício com uma qualidade construtiva pouco ambiciosa, com uma rede de infraestruturas pouco versátil, graças à existência de pés-direitos muito baixos, sem margem de manobra que permita a subida de pavimentos ou a criação de sub-tectos com capacidade para esconder/alojar infraestruturas pesadas, potenciou-se uma lógica distributiva que garantisse, por um lado, uma adequação fácil às condicionantes (quer estruturais quer de infraestruturas, redes de águas, esgotos e eléctrica), mas que simultaneamente pudesse gerar diversidade de usos, polivalente quanto possível.
A par deste objectivo, foi também pensada uma optimização do espaço do sótão, permitindo que a sua subdivisão nos sugira com naturalidade a criação de um acesso vertical interior, directo a partir da fracção a transformar, tratado neste caso mais como um espaço complementar, para uso como espaço polivalente e menos como área de sótão propriamente dita.
A solução partiu da possibilidade de primeiramente reproporcionar os diferentes espaços, capacitando-os com condições de uso de maior qualidade e que simultaneamente permitissem uma gestão das relações funcionais internas sem a aparente mistura de usos que caracterizava o apartamento existente. Assim, num pressuposto de racionalização da área total disponível, foi assumido um dos lados para a acomodação dos quartos, incluindo uma instalação sanitária completa, de apoio, geridos a partir de um espaço de distribuição interna que, apesar de permitir também o acesso à sala e à cozinha, poderá ser usado apenas pelo agregado familiar, libertando o outro lado para o átrio de acesso principal e de utilização menos reservada.
Desta forma, apesar dos quartos se voltarem a quadrantes opostos (nascente e poente), a sua proximidade permite uma sensação de relativa privacidade e pouca exposição para as áreas de uso comum e mais permanente. Já do lado oposto, tirando partido do acesso designado como principal, a distribuição ocorre naturalmente a partir de um espaço central que se articula com a cozinha, espaço de escritório/refeições, instalação sanitária e sala de jantar/estar. A ligação entre os dois zonings funcionais faz-se de forma não declaradamente demarcada, através de uma área tangencial à sala ou até, alternativamente, através da área de cozinha que permite um acesso a cada um dos átrios.
A par desta gestão de usos, procurou-se anular a ideia de espaços de circulação específicos, não só porque é a partir dos espaços de acesso/átrios que se faz a distribuição como também se procurou concentrar todos os vãos interiores enquadrando-os com um sub-tecto mais baixo e num lambrim com um tratamento unitário, em madeira. Este mesmo subterfúgio potenciou ainda o desenvolvimento de uma outra ideia que consiste na anulação de paredes divisórias, ou pelo menos na sua redução ao máximo possível, havendo quase sempre uma espécie de sandwich de armário/parede/armário que resolve a separação entre os vários espaços - não só se consegue melhorar o isolamento acústico de áreas com pressupostos de uso muito diferentes como também, em virtude da existência de uma estrutura me betão, se melhora a gestão da sua ocultação e integração com os novos espaços e a ideia de uma arquitectura mais limpa e cuidada.
A este nível, percebendo que a parede que faz o fecho da circulação vertical comum às várias fracções é também aquela onde se integram alguns pilares e coretes do andar inferior, foi proposta a sua enfatização como parede armário, que delimita a área de circulação tangencial à sala mas que também enquadra visualmente os espaços de estar e refeições e se lê igualmente nos dois espaços de distribuição, o de acesso principal/uso comum e o de acesso secundário/uso privado. Assim, tendo em conta que este elemento é talvez o único que se apresenta nos vários quadrantes funcionais da habitação, procurou-se dar-lhe um tratamento especial, quase como se de um elemento escultórico se tratasse, mais luminoso, colorido, expressivo e participante na valorização formal e material dos espaços interiores. É certo também que a parede cumpre igualmente uma série de outros objectivos, nomeadamente permitir a criação de espaços de arrumo/despensa, camuflados na dupla profundidade, como armários de apoio para a própria sala.
Ainda tirando partido da espessura criada pela existência de armários/parede, que dividem um dos quartos com a cozinha e no lado oposto a área de refeições/escritório com a cozinha também, propõe-se a criação de circulações internas, paralelas ou, alternativamente, a criação de espaços de arrumo com possibilidade de uso por qualquer um dos espaços para onde se voltam. Esta lógica distributiva e funcional, acaba por afectar a métrica e a imagem do alçado posterior da nova habitação, totalmente refeito tendo em conta os pressupostos atrás enunciados – aparente simetria, correspondência entre espaços e imagem, isto é forma/função, repercussão em alçado da modularidade e métrica utilizadas nos espaços interiores, absorvidos por uma varanda contínua, tangente à fachada. Estamos perante uma proposta que tira partido de uma paleta de soluções construtivas e de materiais relativamente escassa, assumindo nesta escassez uma valorização da solução por si, sem grandes subterfúgios.
A lógica da construção é aqui usada como factor de desenho, sendo que as soluções de detalhe são executadas com uma linguagem muito própria, mais afastada da industrialização e standardização dos elementos construtivos e aproxima-se da manualidade das soluções, muito analógicas e pouco tecnológicas – o desenho sóbrio, quase artesanal, com um piso em madeira, paredes e tectos pintados em branco, elementos interiores de carpintaria em madeira de bétula e como elemento de destaque, o armário com desenho cuidado.